Disconnecting from people

Ninguém chora a morte de uma marca. Ninguém lhe faz um funeral. Ninguém desce o seu caixão. Não há orações fúnebres. Fica só a memória e, se tiver sorte, uns quantos objetos num museu

 

A Nokia era o orgulho dos finlandeses. Sem ela, a Finlândia fica mais pobre. Menos dinheiro para o seu bolso, menos cultura de marca para o mundo, menos relevância global. Era o Sporting, Benfica e Porto num só. Matá-la é matar parte da alma finlandesa. É um luto.

Benfiquistas ou sportinguistas sabem do que falo. A perspetiva de viver o resto da vida sem o clube do coração deixa um vazio emocional profundo. Essa hipótese chegou a ser muito real na fase final de Vale e Azevedo e, mais recentemente, na fase inicial de Bruno de Carvalho.

Mas clubes não são empresas tecnológicas. São comunidades unidas à volta de um desporto que representa a sua luta simbólica pela relevância. Podem acabar (tudo acaba), mas leva mais tempo. Há um laço de identidade demasiado forte. Construído ao longo de muitos anos. Anos definidores da identidade de muita gente. Muita discussão em cafés, muitos gritos à frente da TV, muito “eu sou isto”. Existe sempre alguém dentro da comunidade de adeptos de um clube disposta a dedicar a sua vida para o preservar e reerguer. Até porque o negócio de base de um clube é relativamente simples. Pessoas, equipamento e desporto. Algo que todo o bairro tem.

Uma empresa de tecnologia pode ter gerado dedicação e lealdade numa legião de fãs, até num povo inteiro, mas o seu ponto de partida é sempre a tecnologia. Ou produz os equipamentos do futuro ou vira memorabilia. A lealdade não chega. O seu campeonato é sempre mundial. A emoção que gera, decorre da competitividade dos seus produtos.

Um clube cria outro tipo de fidelidade. Os seus jogadores são alter-egos guerreiros dos fãs. As regras de atração mudam radicalmente. Mesmo a fidelidade canina que une hoje Apple e consumidores pode desaparecer. Algo que esteve para acontecer antes de Steve Jobs regressar à empresa na 2ª metade da década de 1990. Bastava deixar de produzir os equipamentos mais “à frente”. Se não nos mostrar o futuro, mesmo a Apple passa a passado.

Na viragem do século, a Nokia tinha a assinatura que todos conheciam, “connecting people”. Era simples, era relevante e era a primeira vez que uma marca o dizia. Era líder mundial na produção de telemóveis e ligava toda a gente a toda a gente. As pessoas agradeciam-lhe, comprando os seus modelos. A marca materializava a promessa de um mundo sem distâncias.

No seu pico, a Nokia tinha os telemóveis que todos os adolescentes queriam. Eram cinzentos, eram modernos, eram lindos. Comunicavam poder. Ligar era bom, mas melhor ainda era ligar de um Nokia. Era um sinal de status, “coolness”, “woooowness”. No começo do século XXI, o futuro sorria à Nokia.

Mas por pouco tempo.

Em 2003, a Nokia lançou-se para os jogos com a famosa N-Gage, um telemóvel que se assemelhava a uma consola, mas não conseguiu convencer o mundo. Em 2007, a Apple roubou-lhe a “coolness” com o Iphone. A seguir veio a Samsung com o seu rolo compressor de inovação tecnológica que lhe roubou o “edge” que restava, lançando sistematicamente modelos mais avançados. Ao mesmo tempo, marcas chinesas como a Huawei lançavam uma série de modelos com tecnologia QB a um preço lá em baixo. A Nokia passou a ser mais uma marca de telemóveis. Sem nada que a distinguisse. Perdeu relevância, perdeu competitividade, afundou-se. Foi comprada pela Microsoft.

A ficha técnica subiu há pouco tempo.

A Nokia desaparecia e em seu lugar ficava a Microsoft Lumia. Uma marca histórica era substituída pela marca de um modelo. Nem direito a um rebranding teve. Um fim pouco digno para uma marca que dominou o mundo. A última bateria da Nokia foi simplesmente retirada e a marca desligou-se para sempre.

Ou talvez esteja num sono suspenso. Como uma Bela Adormecida em versão high-tech-vintage. À espera que a ressuscitem.