Lembro-me do meu primeiro namoradinho a sério, saídas contínuas e às escondidas à mítica discoteca capariquense Brahams, ataques de gás lacrimogéneo, rapaz salva rapariga, rapariga que se põe literalmente com a cabeça nas linhas do Transpraia, uma vontade incontrolável de viver no fio da navalha, um tempo cronologicamente marcado na adolescência.
Neste tempo de encontros marcados nas cabines da Portugal Telecom, onde se gastavam os escudos dados para o cornetto, a combinar encontros para a mesma noite. Chegaremos a tempo? Haverá alguém do outro lado?
Com este meu namoradinho, não havia telemóveis, nem messenger, nem facebook ou facetime, mas o certo é que nos encontrávamos diariamente numa tasca infeta da Costa de Caparica, para cumprirmos o nosso ritual, e o meu segredo, até às seis da manhã.
Hoje, tantos anos volvidos, dou graças por ter sido tudo assim, palavra dita, números memorizados, não estás, não existes. Hoje sei que não teria suportado as suas mensagens, caso as pudéssemos ter escrito, com erros, elipses, mal-entendidos.
[relacionadas_direita]A tecnologia veio trazer essa nova camada de interpretação que é ler uma mensagem e tentar descobrir a entoação, o sentido, se há ou não sarcasmo, o que querem dizer umas reticências?
Apesar de trabalhar na área da comunicação digital, vejo-a, maioritariamente, como um fenómeno psicológico. Instituíram-se novas formas de comunicar que se esqueceram de como se comunicou desde sempre, que há regras e etiquetas, e bons dias, e obrigados na recepção de um email.
Se tudo tivesse sido assim, eu não teria perdido a minha virgindade. Quando o meu namoradinho me perguntou, um dia, se eu tinha comprado a “pírula”, o meu coração encarquilhou, inflamou-se e dei-lhe dinheiro para apanhar um táxi. Sem hipóteses para um “xgaste ben?”. Nunca mais ouvi falar dele e não tenho vontade de procurá-lo. Tenho medo que me responda com palavras que não entendo, reticências ou pontos de exclamação.