Temos de falar do homicídio transmitido em directo no Facebook

Em Cleveland, nos Estados Unidos, um homem assassinou um idoso durante uma transmissão em directo para o Facebook. O acontecimento decorreu na Páscoa e deu origem a críticas ao modo como a rede social gere estas situações. O homem ainda está em fuga.

 

Foi num live streaming que Steve Stephens, autor do vídeo, apareceu a conduzir em Cleveland. Num de três vídeos publicados no seu perfil pessoal, entretanto desactivado pelo Facebook, Stephens admitiu ter atingido o seu limite e responsabilizou sobretudo a namorada pelas mortes.

 

Um dos vídeos publicados mostra Stephens a conduzir em Cleveland, dentro de um automóvel, à procura de uma vítima. Foi entretanto que se cruzou aleatoriamente com Robert Godwin Sr., de 74 anos, que abateu com um tiro na cabeça. Tudo foi transmitido em directo para o Facebook.

 

A rede social de Mark Zuckerberg caiu desde então nas bocas do mundo, mas não pelas melhores razões. São várias as críticas que questionam a capacidade do Facebook policiar os conteúdos transmitidos em directo na sua plataforma, bem como a demora em tirar o vídeo do ar (foram necessárias mais de duas horas).

 

Como escreve o The New York Times, “[o Facebook] não quer ser uma empresa de comunicação que arbitre excessivamente aquilo que é publicado no site. Mas quanto mais relutante for a responder, mais se abre à divulgação de homicídios, violações e outros crimes”.

 

As questões que o debate parece alimentar são as seguintes: deve o Facebook intervir directamente numa situação assim? Tem a empresa o dever de auxiliar a vítima de um crime? É aceitável que milhões de pessoas assistam em directo a um crime, particularmente se tudo o que fizerem for partilhar?

 

É de notar que este debate já não é de agora, embora a polémica tenha servido para reacendê-lo. Mas sendo o Facebook a maior rede social do mundo, é mais do que natural ter focada em si a atenção do mundo.

 

Este também não foi o primeiro incidente transmitido via Live Streaming para a rede social: em Janeiro, na Suécia, três homens transmitiram em directo uma violação para um grupo privado; e em Fevereiro, na República Dominicana, dois locutores de rádio foram fatalmente alvejados enquanto faziam uma transmissão em directo.

 

O modo como o Facebook escolher gerir esta situação também se poderá vir a reflectir nos lucros gerados pela empresa com publicidade. A exibição de publicidade durante transmissões ao vivo rende mais dinheiro ao Facebook do que em formatos mais tradicionais como fotografia ou texto. Mas nem todos os anunciantes estão confortáveis com o formato das transmissões em directo, pelo menos não enquanto situações como a de Domingo continuarem a ocorrer.

 

Da perspectiva de um anunciante, é fácil perceber – graças aos acontecimentos recentes – o porquê das transmissões em directo ainda não inspirarem confiança. “Enquanto anunciante existe uma expectativa de que o conteúdo vai ser servido num ambiente apropriado, a salvo de conteúdo impróprio ou até prejudicial”, disse o presidente da agência de marketing Attention, Tom Buontempo, citado na CNBC.

 

Mas para garantir um maior controlo de qualidade nos conteúdos partilhados em directo, o Facebook tem um desafio complexo. A empresa baseia-se em três elementos distintos para identificar conteúdos prejudiciais para o público: inteligência artificial, moderadores humanos e alertas de utilizadores.

 

Quando há muitas pessoas a reportar um conteúdo como sendo ofensivo ou prejudicial, os algoritmos do Facebook exibem a postagem a uma equipa de moderadores humanos, que vão analisar o conteúdo e decidir se entra em conflito com os termos & condições da plataforma.

 

Estas decisões, contudo, nem sempre são populares entre a comunidade de utilizadores. E a tendência é para se complicar, à medida que as pessoas vão partilhando mais aspectos das suas vidas, incluindo comportamentos criminais.

 

A pergunta mais pertinente, contudo, é feita por Sara Fischer no Axios.com: “têm havido questões sobre se o Facebook é uma empresa de comunicação ou uma empresa de tecnologia. Seria mais fácil pensar nisto desta forma: é o Facebook um publisher que monetiza qualidade, ou um distribuidor que monetiza quantidade? Esta questão é difícil de responder até mesmo para o Facebook, porque a sua missão reflecte a primeira, mas o seu modelo de negócio reflecte a última”.

 

É necessário reflectir no papel que as redes sociais, em particular funcionalidades como a transmissão de vídeo em directo, desempenham enquanto canais de comunicação directos entre criminoso e audiência.

 

É necessário perceber também se a capacidade de comunicar directamente, e em tempo real, pode ser um elemento que encoraje este tipo de acções. Se faz sentido haver atribuição de responsabilidades a quem comete um crime, o que fazer quando esse crime, especialmente se envolver vítimas, tiver direito a espectadores?

 

Se deixarmos o assunto adormecer, só voltaremos a falar dele quando a situação se repetir.