O impacto da mensagem que se tornou viral no Facebook ao longo das últimas semanas foi zero
O leitor é utilizador do Facebook, como eu? Então veja lá se reconhece esta mensagem de algum lado:
« Recebi uma mensagem do Facebook que informa que a partir de 1 de janeiro de 2015 irão alterar a política de privacidade (…) em resposta às novas orientações de Facebook (…) declaro que os meus direitos estão ligados a toda a minha informação pessoal, pinturas, desenhos, fotografias, textos etc. publicados em meu perfil. Para a utilização comercial dos anteriores exige o meu consentimento por escrito a qualquer momento ».
A mensagem original, como o leitor bem se deve lembrar, é um bocadinho maior do que isto.
O timing da mesma também não poderia ter sido melhor – coincidiu, de facto, com a proximidade das alterações que o Facebook vai implementar a partir do próximo ano, e surgiu no final de um ano carregado de polémicas relacionadas com a privacidade dos utilizadores.
A viralidade que a mensagem adquiriu também é interessante porque revela que há um interesse real, bem como alguma preocupação, com as questões relacionadas com a privacidade dos dados dos utilizadores. Mas neste caso foi absolutamente inútil.
Os efeitos desta mensagem sobre as questões da privacidade foram praticamente os mesmos que os benefícios de fazer “Gosto” numa fotografia partilhada na rede social, de forma a conseguirmos convencer aquele médico naquele hospital daquele país em vias de desenvolvimento a salvar a vida àquela criança. E é a isto que se resume boa parte do activismo fácil de Facebook: a mensagem é divulgada, mas com o mínimo de acção possível. E sem acção não podemos esperar que haja efeitos.
A questão dos dados e da privacidade no Facebook já é quase tão antiga como a rede social, mas ganhou proporções maiores quando houve aquele escândalo que envolveu Edward Snowden e a Agência de Segurança Nacional norte-americana. O leitor recorda-se?
Desde então tudo tem servido para apontar o dedo às gigantes tecnológicas que requerem os nossos dados pessoais para trabalharem e nos poderem proporcionar uma experiência melhor. E o mais alarmante: nós continuamos a utilizar os serviços, mesmo que aparentemente os mesmos actuem de forma a contrariar os nossos valores.
No caso do Facebook, a mensagem viral perde todo o sentido a partir do momento em que é partilhada por uma conta registada naquela plataforma – pelo simples motivo de que, para lá estar, é necessário concordar com o exacto oposto daquilo que a mensagem procura preservar. E agora o leitor deveria perguntar: mas porquê?
Nada mais simples. Acompanhe-me até aos Termos & Condições do Facebook, mais especificamente à área relacionada com a partilha de conteúdo e informação (ponto 2).
O Facebook reconhece que o utilizador registado é proprietário do conteúdo e da informação publicada na rede social, e que o utilizador tem controlo sobre a forma como estes são partilhados. MAS (e existe sempre um mas):
• No caso da Propriedade Intelectual, a partilha na rede social de Mark Zuckerberg converte automaticamente (ainda que de forma muito dependente das definições de privacidade) estes conteúdos em conteúdos isentos de direitos de autor que a rede social pode utilizar. A verdadeira surpresa neste ponto é o facto de não ter sido lido mais vezes.
• A eliminação de conteúdo implica o fim deste licenciamento e desta autorização concedida ao Facebook. E isto quer dizer que, mesmo após o conteúdo ter sido eliminado, caso ainda existam cópias de segurança armazenadas, a sua disponibilidade para fontes terceiras deixa de ser válida.
• O Facebook cria standards e normas que as aplicações da rede social devem usar, mas no fim é o utilizador quem concorda (ou não) com as condições de acesso aos dados e informação, de forma a trabalhar com a aplicação.
• A publicação de qualquer conteúdo na rede social passa a permitir automaticamente « que todos, incluindo pessoas exteriores ao Facebook, acedam e utilizem essa informação e a associem a ti (por ex: o teu nome e foto de perfil) ».
• « Damos sempre valor à tua opinião ou sugestões sobre o Facebook, mas deves compreender que podemos utilizá-las sem qualquer obrigação de te compensar pelas mesmas (tal como tu não tens qualquer obrigação de as fornecer) ».
É o próprio Facebook quem nos diz, ainda que de forma politicamente correcta e já antes da divulgação desta mensagem viral, que só partilhamos conteúdo lá porque assim o entendemos. E que ao fazê-lo podem haver consequências, incluindo uma não-compensação.
E se nós estamos registados no Facebook, a usar o Facebook e a partilhar no Facebook, então – e de acordo com os Termos & Condições do Facebook – nós concordamos absolutamente com este procedimento. A única alternativa é não continuar a usar a rede social. Mas quem vai mesmo largar o Facebook por causa disso?
Tanto eu como o leitor sabemos: muito pouca gente.