Paulo Azevedo, presidente da Sonae.com, declarou ontem que tem vindo “a constatar que existem dois grandes equívocos que surgem com frequência nos debates acerca da liberalização. O primeiro, e o mais frequente, diz respeito ao fim do monopólio natural. Se bem que, do ponto de vista tecnológico, tenhamos registado fortes avanços, a verdadeira concorrência e alternativa ao negócio do incumbente ainda não existe em nenhum mercado europeu”. As afirmações foram proferidas no âmbito de um jantar-debate da APDC, no hotel Ritz, em Lisboa, para discutir « As Encruzilhadas da Liberalização».
A propósito da temática acima o Presidente da Sonae.com frisou que, apesar de existirem alguns mercados saudáveis e bem sucedidos, como é o caso das comunicações móveis, da televisão por cabo e das telecomunicações para empresas – apesar da sua juventude, estes não constituem uma verdadeira alternativa à rede básica fixa, para a qual não se vislumbra verdadeira concorrência.
Na mesma linha de alternativas está o mercado dos ISP’s que aquele responsável apelidou de periclitante já que, apesar de se tratar de um negócio de grandes quotas de mercado, o mesmo se confronta com graves problemas tais como a economicidade do negócio e a possibilidade desses novos concorrentes virem a sair do mercado.
Paulo Azevedo concluiu que, nesta esteira “está por resolver o problema do monopólio natural, porque olhando bem para o mercado as quotas da concorrência, quando comparadas com as do incumbente são muito pequenas e não se vislumbra, em nenhum país da Europa, que venha a surgir uma nova rede local fixa e ninguém acredita que as comunicações sobre a rede fixa venham a terminar, ainda que o cabo se possa afirmar como alternativa de sucesso”.
Por outro lado, e de acordo com aquele responsável, o segundo equívoco é o de “ler que liberalização e privatização são iguais a menos Estado. E é um equívoco porque basta reparar na regulação sectorial, na regulação da concorrência, do anti-trust, etc, nos tribunais e nas instâncias europeias, para perceber que os mecanismos de mercado só substituem em parte o Estado”.
Paulo Azevedo defendeu que “o modelo escolhido para a liberalização das telecomunicações na Europa, assenta na manutenção do monopólio físico da rede pública (cobre) e não na divisão da cadeia de valor. É preciso perceber e assumir neste momento que a liberalização não assegura por si só o aumento da concorrência e que a liberalização do mercado é uma ditadura na perspectiva do incumbente. Aliás basta ter em mente os crescentes exemplos de insucesso nos casos de litígio”.
Ainda a este propósito, o Presidente da Sonae.com referiu os exemplos da Nova Zelândia, onde se chegou à conclusão que era pouco possível vir a existir no mercado das telecomunicações uma alternativa ao incumbente, e da Grã Bretanha onde, “apesar de se ter feito a liberalização com algum rigor e antecedência, agora, aquando da abertura do lacete local, verificou-se que, afinal, o modelo não funciona”.
Referindo-se a Portugal, aquele responsável adiantou que ” a fragilidade do modelo europeu vê-se confrontada com mais algumas particularidades em Portugal, onde por exemplo o incumbente é autorizado a manter uma posição dominante no cabo, para além da concessão exclusiva da rede pública, e onde não há verdadeiramente um órgão regulador”.
Paulo Azevedo concluiu a sua intervenção referindo que: “a liberalização não está no bom caminho, basicamente porque não existem condições para que se desenvolva uma concorrência efectiva e porque o sucesso do modelo escolhido exige um grande empenho por parte das autoridades públicas envolvidas. Devemos, por isso, reflectir e procurar modelos a prazo que garantam a criação de mecanismos de mercado saudáveis e que fortaleçam o investimento e o desenvolvimento do sector. Por outro lado, há que pensar talvez em novos modelos de implementação que garantam o spin off da televisão por cabo, e a divisão da empresa incumbente em duas áreas (a grossista e a retalhista), de modo a podermos chegar a um modelo melhor, onde não se manifeste tanta dificuldade de diálogo na indústria, porque o fornecedor e o cliente principal são uma e mesma entidade”.
Seguiu-se um espaço de debate onde a assistência questionou o Presidente da Sonae.com sobre a ausência de litígios entre empresas do meio e uma certa passividade que a este nível está também patente nas relações com o próprio Estado; sobre o facto de, na sua estrutura, o Grupo Sonae ter sócios que são eles próprios seus concorrentes; sobre as expectativas futuras e sobre o papel a desempenhar pelo Estado, se de regulador ou de árbitro.
Aquele responsável defendeu que: “talvez não seja passividade o facto dos gestores portugueses evitarem levar um concorrente a tribunal – uma prática comum noutros países – mas morosa e complexa em Portugal. Quanto ao papel do Estado, para darmos passos em frente, seria bom que o ICP assumisse responsabilidades nessa área, em vez de esperar que a Direcção Geral ganhe mais competências”.
Quanto à questão da concorrência no seio do seu Grupo, Paulo Azevedo adiantou que foram alguns casos pontuais e que de momento estão completamente sanados, e referiu quanto às expectativas futuras que, no caso da Sonae.com tudo aconteceu “muito próximo do que prevemos aquando da preparação para o IPO, o modelo da Internet alterou-se mais tarde do que o esperado, e temos a expectativa de vir a estar no segmento da rede fixa local, apesar de não fazermos promessas nenhumas porque não estão reunidas as condições, a nosso ver, para que o sector possa crescer no sentido da concorrência”.
Finalmente, quanto ao papel do Estado, o Presidente da Sonae.com defendeu que :” há uma fase em que o Estado tem de ser arquitecto do mercado, mas o objectivo a prazo é que se vá retirando e deixando os mecanismos de mercado funcionar por si. Nesta fase final é evidente que o papel do Estado deverá ser o de árbitro e não um papel intervencionista”.