Telemóveis solares: quanto falta para carregar só com luz?
- Jeniffer Elaina
- 03/10/2025
- Mobile, Tecnologia
Imagina um mundo onde nunca mais tens de procurar uma tomada. Onde o teu telemóvel carrega sozinho, só por estar à luz do sol — ou até da lâmpada do escritório. Parece um sonho de ficção científica, mas há anos que a indústria tenta torná-lo realidade.
Portugal, com o seu sol generoso (são mais de 2 800 horas de sol por ano, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera), seria o palco perfeito para essa revolução verde. A pergunta é: quanto falta para chegarmos lá?
O que já existe — e o que ainda é só conceito
Algumas marcas já começaram a brincar com a ideia.
A Infinix, por exemplo, apresentou no Mobile World Congress 2025 um protótipo de capa solar que gera cerca de 2 W de energia — o suficiente para compensar parte do consumo diário.
Antes disso, a Kyocera testou um ecrã solar transparente, desenvolvido com a Sunpartner Technologies. A ideia era captar luz natural (e até artificial) através do próprio ecrã.
O resultado? O telemóvel conseguia alguns minutos extra de bateria — bom para emergências, mas ainda longe do ideal.
Nos laboratórios, o cenário é mais animador. Cientistas estão a trabalhar em materiais chamados perovskitas, que prometem ser leves, baratos e muito mais eficientes. Já há testes com eficiência acima dos 25%, o que é um salto enorme face aos painéis tradicionais.
Mas transformar isso num produto de bolso resistente e seguro ainda é outra história.
O grande desafio: energia e espaço
A verdade é que o problema não está na falta de sol — está na física.
Um smartphone típico precisa de 10 a 15 watts para carregar. E mesmo sob luz solar direta, o painelzinho que caberia na traseira de um telemóvel dificilmente conseguiria produzir mais de 1 watt.
Ou seja, seriam precisas várias horas ao sol para conseguir o mesmo que um carregador faz em 40 minutos.
E ainda há o calor: quanto mais o painel aquece, menos eficiente se torna — e as baterias não gostam nada de temperaturas altas. Por isso, enquanto a tecnologia não avança o suficiente, as marcas têm optado por soluções parciais.
Caminhos intermédios que já funcionam
Há gadgets solares bem práticos a circular:
- Capas com painéis solares — captam energia enquanto usas o telemóvel.
- Power banks solares — perfeitos para campismo ou viagens.
- Painéis dobráveis portáteis — carregam via USB e conseguem repor a bateria em 2 a 4 horas de sol direto.
- Estações solares públicas — já existem em algumas universidades e parques, e são usadas para carregar dispositivos com energia limpa.
Estas soluções ainda dependem de acessórios externos, mas mostram que o conceito funciona — basta melhorar a integração.
Por que ainda não é mainstream?
Parte da resposta é tecnológica, parte é psicológica.
Tecnologicamente, ainda é caro integrar células solares num telemóvel moderno sem comprometer o design. E o rendimento, em muitos casos, não justifica o preço.
Além disso, o uso intensivo — vídeos, GPS, 5G, brilho máximo — consome mais energia do que o sol consegue repor.
Do lado dos consumidores, há a expectativa de que “solar” signifique “carregamento rápido”. E isso, por agora, é impossível.
Um relatório da International Energy Agency (IEA) lembra que a densidade energética das baterias só cresce cerca de 6% ao ano, enquanto a potência dos smartphones sobe bem mais depressa.
Em resumo: estamos a fabricar telemóveis cada vez mais poderosos… e cada vez mais sedentos de energia.
O que vem aí: o sol no bolso
Apesar dos obstáculos, o futuro brilha — literalmente.
As células solares transparentes prometem transformar todo o ecrã num painel invisível. Já há protótipos que recolhem energia até da luz artificial, sem alterar o aspeto do telemóvel.
As perovskitas híbridas e as células tandem (que combinam várias camadas para capturar mais tipos de luz) estão a abrir caminho para novos designs.
Empresas como a Samsung Advanced Institute of Technology e a Huawei Labs já registaram patentes para integrar painéis fotovoltaicos diretamente no vidro traseiro.
Também estão a surgir controladores inteligentes (MPPT) que otimizam cada raio de luz — mesmo em ambientes fechados.
Não será preciso muito para vermos modelos híbridos: telemóveis que ganham carga durante o dia e só recorrem à tomada em último caso.
Então… quanto falta?
Depende do que chamamos de “carregar só com luz”.
Se for para um uso leve — mensagens, redes sociais, chamadas ocasionais — talvez vejamos modelos viáveis em 5 a 10 anos.
Mas para quem passa o dia em streaming, jogos ou vídeo 4K, o carregamento solar ainda é uma ajuda, não uma solução total.
Um relatório recente da BloombergNEF resume bem: o futuro não está em substituir o carregador, mas em usar o sol como complemento inteligente.
Encerramento criativo: “Quando a luz basta”
Imagina isto: deixas o telemóvel em cima da mesa da esplanada e, enquanto bebes o café, ele vai-se carregando sozinho. Sem cabos, sem pressa, só o sol a fazer o trabalho.
Pode parecer utopia, mas é o tipo de sonho que a tecnologia adora concretizar — devagar, mas com brilho.Portugal tem o sol, tem o talento e tem a motivação para liderar esta mudança.
E quando a luz finalmente bastar para manter o mundo ligado, talvez não celebremos só a tecnologia, mas também a simplicidade de um gesto: carregar sem carregar.
Imagem de Andrea Piacquadio por Pexels