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Vitaminas da Telecel com cartões bloqueados

A Telecel está a suspender o serviço aos clientes supostamente infractores até estes pagarem as suas dívidas à operadora.

«Os truques para efectuar chamadas “à borla” em certos telemóveis continuam a dar que falar. Desta vez, a Telecel está a suspender o serviço aos clientes supostamente infractores até estes pagarem as suas dívidas à operadora. Uma actuação que não gera consenso nas estruturas de defesa dos consumidores. A Telecel está a suspender o serviço de realização de chamadas aos clientes que, mediante truques ao estilo dos “hackers” informáticos, conseguem comunicar sem que a chamada seja cobrada. Esta possibilidade só se coloca no Serviço Vitamina, pois só ele disponibiliza a visualização imediata do saldo no visor do telemóvel, e diz respeito apenas a alguns equipamentos Ericsson, que possuem uma anomalia no “software”. O director de informação e relações institucionais da Ericsson, João Moreira dos Santos, afirma que esta situação só ocorre “quando as pessoas que compram certos modelos descobrem uma forma de passar por cima da facturação da operadora”. “É uma pirataria, que só acontece porque alguma cabeça brilhante se dá ao trabalho de descobrir como se «fura» o «software» dos telemóveis”, ironiza. Trata-se de um acto ilícito, que compara ao dos «hackers» dos computadores (piratas informáticos). João Moreira dos Santos diz que apenas são afectados os modelos GA628 fabricados antes de 1998, mas há quem diga que também com o modelo GH688 isto é possível. A Telecel detectou este tipo de situações em meados de 1997 e tem, desde então, vindo a proceder ao “bloqueio” dos telemóveis que supostamente recorreram ao estratagema. Apesar de não disponibilizar informação quanto ao número de clientes já “bloqueados”, uma fonte da administração da empresa afirmou que a maioria dos seus clientes são “Vitamina” (cerca de 70 por cento em finais de Julho). O que acontece é que todas as chamadas efectuadas são registadas na central e, desse modo, a operadora consegue descobrir os infractores, cujo saldo disponível não corresponde ao saldo real, e proceder a uma regularização da dívida. Segundo o departamento de comunicação institucional da Telecel, esta operação não consiste num bloqueio do equipamento, pois o utilizador continua a poder receber chamadas e ligar para o serviço de emergência: “Trata-se apenas de um reencaminhamento da chamada para o serviço de apoio ao cliente (1212), que lhe explica o que deve fazer.” Sem aviso prévio O facto de não existir qualquer tipo de aviso prévio ao cliente por parte da operadora gera opiniões contrárias quanto à legalidade da sua actuação. Ângela Sota, jurista da Associação Portuguesa de Direito do Consumo (APDC), considera que, não obstante o utilizador estar a proceder de forma ilegal, a operadora não tem o direito de suspender o serviço sem aviso prévio. “Quando muito pode proceder contra a pessoa em causa, pedindo uma indemnização por danos causados, ou até tentar enquadrar a actuação dos utilizadores numa qualquer moldura penal”, explica. Mas, para suspender o serviço, teria de avisar os clientes de que “têm tantos dias para trocar de telemóvel, e explicar as razões do bloqueio”, sustenta a jurista. “Não pode agora a Telecel vir fazer a própria lei”, remata. A Portaria nº 240/91, de 23 de Março, que regula o serviço móvel terrestre, prevê, para os casos de suspensão ou interrupção, que os utentes sejam notificados “com a antecedência mínima de 24 horas”, apenas exceptuando os casos de imprevisto ou de força maior. São estas excepções que levam o Instituto do Consumidor a discordar da opinião da APDC. “Entendemos que há abuso do direito e violação do princípio da boa-fé contratual” por parte dos clientes, o que legitima “a suspensão do serviço de telecomunicações sem pré-aviso”. Ao contrário, para a APDC, um caso imprevisto seria uma falha de electricidade ou um tremor de terra que afectasse os equipamentos. A Telecel defende que “ninguém é obrigado a prestar um serviço que não é pago”, além de que em 24 horas o cliente pode fazer “milhares de contos em chamadas”. E há ainda um outro problema: “Como é que fazíamos um aviso a um cliente que não sabemos quem é?”, questiona a operadora. Isto porque a empresa não conhece a maior parte dos clientes “Vitamina”, já que não é necessário fornecer dados pessoais na compra de um destes pacotes. Assim, para a operadora, esta foi a melhor forma encontrada para resolver o problema: reencaminha os clientes para o serviço de apoio, que por sua vez os aconselha a dirigirem-se à loja Telecel mais próxima com serviço de assistência “Expresso”. Aí, é-lhes oferecido (o cliente paga apenas o valor do seguro: 500 escudos) um equipamento de substituição em troca do defeituoso, que será depois enviado à Ericsson para ser reparado. Após a correcção da anomalia, o cliente recebe o seu aparelho inicial. Pedro, cliente da Telecel, tinha um telemóvel GA628, com o qual realizou alguns truques para fazer chamadas sem pagar. A última, fê-la há um mês e meio. Entretanto, comprou outro telemóvel e transferiu o cartão, o que levou a operadora a suspender-lhe o último equipamento, há duas semanas. O procedimento da Telecel baseia-se na informação do cartão, que revela se o cliente tem dívidas. Deste modo, o equipamento anómalo continua operacional. Mas se, ao contrário, um destes clientes comprar cartão, a Telecel não consegue restabelecer a dívida e o cliente sai impune. Mais complicada é a situação de Licínio, outro cliente que viu o seu telemóvel bloqueado há três meses, mas que afirma nunca ter recorrido a qualquer truque e nem sequer ter conhecimento destes estratagemas. Licínio enviou uma carta de protesto à Telecel e a resposta que recebeu foi que “a Telecel gostava sempre de saber as opiniões dos seus clientes”. Sentindo-se maltratado, este cliente nem chegou a ir buscar o seu equipamento e mudou de operadora. A Telecel acentua que «cada caso é um caso e que não se pode responder de forma estandardizada a todos os casos.»» Terça-feira, 17 de Agosto de 1999 Por Sofia Branco