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A Internet em nós

Hoje estamos na Internet. Amanhã estará ela em nós.
«Estás na Internet?»

De um momento para o outro, a humanidade uniu-se num enorme cordão umbilical que lhe dá acesso a um mundo novo. De uma forma ou de outra está lentamente a aprender que não pode viver sem ela e reconhece-a quase como um universo paralelo virtual onde encontra um complemento da sua existência.

«Mãe, estou na Internet, volto já.»

De forma assustadoramente rápida, a civilização emigra para um novo universo onde ninguém tem falta de espaço nem de oportunidades. Na experiência de uma ligação cibernética o ser humano abdica do espaço físico que o rodeia e emerge no cada vez mais concreto virtual. Enquanto está «ligado», embora não se esqueça da sua incontornável condição física, crê inconscientemente que a sua presença metafísica se encontra de facto no éter virtual.

O que ainda quase ninguém compreendeu é o enorme sacrifício que o ser humano está a fazer ao «navegar». Abandona TUDO o que sempre considerou como a sua realidade para viver um reflexo ampliado e distorcido dessa mesma realidade sem se aperceber que traça uma fronteira quase total entre estas duas realidades que, afinal deveriam ser uma mesma: a sua vida.

«Estás na electricidade?»

Quando surgiu a electricidade viveu-se uma situação semelhante. A infra-estrutura eléctrica não estava ainda por todo o lado e para utilizar um aparelho eléctrico era necessário «ligar-se» a esta rede. A evolução fez com que esta fosse lentamente invadindo as nossas vidas até que hoje podemos dizer confiantes que “a electricidade está em nós”.

Da mesma forma que para ter água se tinha de ir à fonte, hoje para “e-xistir” é ainda necessário ir à net. O browser é o cântaro. Se há 100 anos esta situação era sustentável, hoje não se concebe ir à fonte para obter água. E porquê? Porque pura e simplesmente nos tornámos mais exigentes depois de saber que era possível obter o mesmo resultado apenas abrindo uma torneira.

É nesta fase que nos encontramos: a Internet do lado de lá, o mundo real do lado de cá e nós, cibernautas, optando constantemente entre um e outro. São estanques.

A Internet é desconfortável. Dá trabalho. Imagine-se a telefonar para a electricidade antes de poder acender uma lâmpada. Inconcebível. No entanto é isso que acontece hoje com a maioria das ligações à Internet. Para uma tecnologia tão avançada torna-se irónico. Se por um lado a Internet está dependente de outras tecnologias, por outro encontra-se ainda completamente isolada de todas elas e, por consequência, isolada da nossa vida quotidiana.

«A Internet estará em nós»

A partir de aqui assistiremos a uma inversão de todos os ainda recentes hábitos cibernéticos. Os telemóveis terão acesso à internet, os electrodomésticos serão controlados uns pelos outros, os meios de comunicação como os conhecemos desaparecem para tornar a surgir sob uma nova forma. A Internet que hoje é acedida por telefone passará a ser o suporte dos telefonemas do futuro e os telefones serão apenas mais um electrodoméstico ligado à internet.

A Humanidade emigrou para a Internet e esta situação não é sustentável por muito mais tempo. Inevitavelmente, o próximo passo na maturação da Internet será a inversão de todos os ainda recentes hábitos cibernéticos. A Internet virá até nós; moldar-se-á à vida humana; tornar-se-á, se assim se pode dizer, profilática. O cibernauta deixará de ter necessidade de emigrar para a Internet pois esta passará a ser mais uma infra-estrutura omnipresente nas sociedades evoluidas.

No futuro não estaremos na Internet; A Internet estará em nós.

por Nuno Godinho
23 Dezembro 1999